top of page

Com a respiração ofegante, a coluna curvada e sacolas de supermercado nas mãos, Ana sobe degrau por degrau. É a segunda vez naquele mês que o elevador entra em manutenção. Ela para por um instante no segundo andar, encosta as compras no chão, respira, olha para os degraus acima e toma nos braços a comida da ceia. Dos sacos para o armário ou para a geladeira, Ana organiza legumes, carnes e latas de ervilha. Uma das latas desequilibra, rola pelo chão e entra por baixo da mesa da cozinha.

Ana reequilibra as latas que ainda estão em mãos, empilha dentro do armário e ouve a lata caída rolar de volta até seus pés. Ela fecha a porta do armário, agacha para pegar a lata e vê uma espécie de mangueira cinza por debaixo da mesa. Não é uma mangueira, é uma tromba, uma tromba de elefante. Agachada, com uma lata de ervilha em mãos e de frente para o filhote daquele animal imenso, Ana respira fundo e solta o objeto em sua direção outra vez. O elefante agarra, equilibra na ponta da tromba, sacode para os lados e deixa a lata cair. Ana ri. Ele segura a lata novamente e a empurra de volta para Ana.

Com as ervilhas numa mão e a outra esticada até a gaveta, Ana alcança um abridor de latas. Aos poucos, o elefante caminha até a comida. Enquanto ele mastiga, Ana aproxima as mãos de sua cabeça, suas orelhas gigantes, sua pele áspera. O bicho retribui o carinho com a tromba. Aos cinquenta e quatro anos, a pele de Ana é fina, mas também tem rugas. No chão, ao lado do animal, o corpo magro e opaco dela parece ainda mais frágil. Ele estica a tromba por baixo do fogão como quem tenta alcançar algo e alcança.

É uma fotografia do Natal passado. Ana vê a mesa da casa da mãe, o peru recheado, a torta de ervilhas, seu irmão mais velho, sua cunhada, seus dois sobrinhos. Ana lembra que a mãe não costumava sair nas fotos da sala porque estava sempre na cozinha. É a primeira vez que ela fica responsável pela ceia. Sua mãe não está nem foto, nem na cozinha. No seu lugar, tem um animal enorme. É difícil cozinhar com um elefante no caminho.

bottom of page