Segunda comunhão
Mãinha alisa o cabelo para
a missa de domingo
Eu não entendo
a língua dos padres
Bisa diz que perdeu seu
sobrenome num navio e
sua infância prum barão
Custei tanto a entender bisa
Ontem botaram fogo
no mato outra vez
Caboclo da Serra chorou
pelo olho do pajé
Mas só hoje entendi que
minha poesia é mandinga
ferida que se cura sozinha
Enquanto colonizam
a terra, Exu brinda com
São Francisco: - O sertão
é movediço.
Tiroteio no morro
do Cantagalo assusta
os moradores de Ipanema.
(Os do morro
descansam em paz).
manchete
ao portador
Um poema de amor
sem destinatário
é como um quarto
de hotel de luxo
decorado com porta retratos
de hóspedes antigos
que já não visitam
aquele quarto
faz tempo.
Um poema de amor
sem destinatário
é um arranjo de
melodias guardadas
e remixadas para
o ritmo de hoje em dia.
Um poema de amor
sem destinatário
é uma obra de arte
uma colagem de
cartas de amores
passados, um quebra-cabeça
de memórias, uma brincadeira
de uma criança levada
que deixa por debaixo
da porta de um desconhecido
um poema
como quem desconhece
as regras
que não sejam
de amor.
Estrangeira
Uma parte de mim mora longe
lá onde escrevi três anos atrás o final
do filme que lançaram hoje
lá onde o poema que saiu da minha mão
previa a manchete de um jornal
de outro país
Uma parte de mim me visita
nas tardes em que eu desço no ponto
de ônibus errado
nas noites em que eu me esqueço
deitada na rede
nas madrugadas em que eu acordo pensando que já é dia
me pergunto: sou eu a parte que fica
ou a que visita?
me pergunto: é sempre a mesma
a parte que fica e a que visita?
me pergunto: é minha uma parte que
vai e volta sem meu consentimento?
me pergunto: é minha a parte que pergunta?
me pergunto: a quem eu pergunto?